Dr. Armando Castelar: Sem equilíbrio fiscal, país não sairá da crise

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Há alguns anos acreditava-se que o Brasil, além de ter uma economia estável, era um dos países emergentes mais promissores no cenário mundial. Parece que esse sonho tornou-se um pesadelo com a situação atual. Será que existe alguma esperança para retomar essa confiança, diante desse quadro pessimista? A economia um dia vai voltar a se estabelecer de forma que o país volte a crescer? A sociedade brasileira tem alguma parcela de culpa pelo desastre em que está mergulhada?
Em entrevista à revista da APSEF, o professor Dr. Armando Castelar, que é atualmente Coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do Instituto de Economia da UFRJ, também autor dos livros “Sociedade e Economia: estratégias de crescimento e desenvolvimento”  e “Mercado de Capitais e Bancos Públicos” , nos ajuda a entender e desmistificar os mecanismos da economia adotada pelo sistema de governo atual. E esclarece ainda os motivos pelos quais estamos mergulhados nessa recessão sem precedentes na história do nosso outrora tão promissor Brasil.

Em resposta às nossas questões,  Dr. Armando explica de maneira sóbria e resumida a raíz da matriz econômica de um governo intitulado populista, e como suas medidas levaram ao retrocesso econômico. Esclarece ainda que corrupção é um ingrediente determinante nessa receita desastrosa. O voto consciente e a mudança de postura da nossa sociedade pode ajudar o Brasil a se reerguer? Confira o ponto de vista de um dos economistas mais renomados do país.

1 – Tínhamos uma economia estabilizada e de repente nos vemos em uma crise profunda, com recessão, desemprego, aumento da dívida pública, inflação alta. O que foi que deu errado?
A crise e os problemas que o Brasil enfrenta são o resultado de uma combinação de três fatores. Primeiro, e de longe o mais importante, uma política econômica profundamente errada, baseada na expansão do gasto público, no aumento do crédito dos bancos estatais e uma política monetária frouxa, que passou a tolerar uma inflação sistematicamente acima da meta. Segundo, um conjunto de regras que levam a uma expansão contínua do gasto público. Isso é particularmente verdade em relação às despesas da Previdência Social: com o envelhecimento da população e o aumento dos benefícios superior ao do PIB, haverá inexoravelmente uma alta contínua desses gastos. Por fim, a queda do preço das commodities tornou menos atraente o investimento em setores como mineração e petróleo.
2 – A sociedade apostou em um projeto que tem entre seus pressupostos políticas públicas de transferência de renda e oportunidades para os mais pobres. Mas as coisas mudaram e os mais pobres estão sendo prejudicados com aumento da inflação, desemprego e cortes nas áreas sociais. É como se tivéssemos sido enganados durante a campanha eleitoral, quando nos mostraram um país em que a economia ia bem, quando a gente agora sabe que não ia. A sociedade tem alguma culpa ou é apenas uma vítima nesse processo?
Essa é uma boa pergunta. Obviamente houve um esforço premeditado de passar uma imagem sobre a economia brasileira que não era real e a responsabilidade é de quem fez isso. Sobre a responsabilidade da sociedade brasileira, acho que mais importante do que saber se as pessoas deveriam ter agido diferente é aprender com essa experiência para não errar de novo no futuro. Sempre haverá aqueles que irão prometer soluções fáceis para problemas difíceis, mas depois não irão entregar. Precisamos ficar longe dessas pessoas.
3 – O que poderia ser feito no curto prazo para que o país voltasse a recuperar a credibilidade, atrair os investidores para gerar emprego e melhorar a renda das pessoas? Em suma, como o país poderia retomar o crescimento com mecanismos para promover justiça social?
Apenas uma parte pequena do gasto público vai para os realmente pobres. Por exemplo, em 2015 o Bolsa Família consumiu apenas 0,47% do PIB, menos do que se gastou, por exemplo, com a “bolsa empresário”. De qualquer forma, não há como reestabelecer a confiança e retomar o crescimento de forma sustentada sem reestabelecer o equilíbrio fiscal e isso terá de necessariamente envolver corte de gastos públicos. A reforma da previdência terá de ser um elemento desse esforço, pela dimensão que esta tem hoje em dia nas despesas públicas. Outras reformas terão de focar em melhorar o ambiente de negócios e reduzir o risco de investir no Brasil.
4 – Fala-se muito que a crise é o resultado de uma mudança na matriz econômica. De que forma isso afetou negativamente a economia e a vida dos brasileiros?
O que aconteceu é que o governo adotou uma política econômica que levou a déficit fiscais elevados, o que por sua vez colocou a dívida pública em uma trajetória explosiva, ficou muito mais tolerante com a inflação e passou a intervir pesadamente em vários setores da economia. Um exemplo é o que ocorreu na Petrobras, uma
empresa hoje em difícil situação financeira: para além da corrupção, houve muita interferência via controle de preços de combustíveis, obrigação de investir em projetos sem retorno, e apoiar uma lei de conteúdo nacional que elevou o custo e reduziu a eficiência do investimento da empresa. Com mais risco e menos confiança, o investimento despencou, o crédito ficou escasso e os consumidores passaram a segurar seus gastos, com medo do desemprego. O resultado é que o Brasil está mergulhado na maior recessão de sua história documentada.
5 – Nesse cenário de corrupção endêmica, em que estatais como a Petrobras e o BNDES foram usadas de forma patrimonialista para a consecução de um projeto de poder e em que o país precisa de investimentos para sair da crise, as privatizações não seriam uma boa opção?
Para retomar o crescimento teremos de adotar políticas que promovam o investimento privado. A venda de ativos pode ser parte desse processo, mas hoje o espaço para isso é reduzido. Há bem mais que pode ser feito na forma de concessões e PPPs, e o governo anunciou planos ambiciosos nessa direção, mas tem falhado seguidamente em avançar mais significativamente nessa direção. Finalmente, é preciso reformar a governança das empresas estatais e dos seus fundos de pensão para proteger os funcionários dessas empresas e o contribuinte dos malfeitos que se viu nesses últimos anos. Há bons projetos nessa área em discussão no Congresso. Agora, é preciso fazer tudo isso com critério e transparência. Por exemplo, a Petrobras está privatizando um grande conjunto de ativos – mais do que se fez com o programa de privatização em toda primeira metade dos anos 1990 – mas com pouca transparência.
6 – Essa tal de nova matriz econômica teve, entre seus pilares, a concessão de crédito fácil para estimular o consumo. Isso não teria sido um tiro que saiu pela culatra, já que empresas e famílias acabaram se endividando?
Mais importante do que isso foi que o governo subsidiou esses empréstimos, que hoje pesam muito nas contas públicas. O resultado foi famílias e empresas muito endividadas, inflação alta, e um setor público com sérios problemas fiscais, uma combinação ruim que está por trás da mega-recessão de 2014-16. Não houve e ainda não há no governo o realismo de perceber que essas políticas são insustentáveis a médio prazo e deixam uma péssima herança: passada a euforia inicial, os agentes econômicos se retraem, preocupados em como se vai lidar com um problema que o próprio governo criou.
7 – Sob esse aspecto, a sociedade não seria também responsável pela situação da economia?
Há níveis variados de responsabilidade. Em um nível mais geral, sem dúvida a sociedade tem responsabilidade: afinal de contas, foi ela que escolheu o governo que promoveu essas políticas. De fato, ela reelegeu esse governo. Em um nível já mais concreto, há também vários grupos sociais que apoiaram especificamente essas políticas, defendo-as na imprensa e no Congresso. Mas, no fundo, a responsabilidade maior é do próprio governo. Colocando de outra forma: essa não era a única política que o governo poderia ter adotado que era consistente com o mandato recebido nas urnas. Um bom exemplo alternativo foi o que ocorreu nos primeiros anos do governo Lula, de 2003 a 2005.
8 – Diante da crise econômica e política, setores do PT, inclusive o ex-presidente Lula, e do próprio governo, falam em voltar à política de crédito fácil. Isso ajudaria o país a retomar o crescimento ou pioraria a nossa situação?
A política de “crédito fácil” se sustenta em elevados subsídios públicos. Para persegui-la, portanto, será necessário elevar o déficit público ainda mais, acelerando a expansão da dívida pública, que já está em uma trajetória muito preocupante. Isso vai assustar empresários e consumidores e levar a uma renovada contração do investimento e do consumo, agravando a recessão. O resultado será o oposto do que essa política preconiza.
9 – Como o senhor vê esse novo modelo de empréstimo consignado, em que o trabalhador pode usar o FGTS como garantia para os empréstimos?
Pode ser uma medida interessante se usada com disciplina. O consignado tem taxas de juros bem mais baixas que o crédito pessoal tradicional, mas tem ficado muito concentrado em funcionários públicos e aposentados, por conta da segurança que os bancos têm de que eles não ficarão sem rendimento. O uso do FGTS como garantia vai ajudar a tornar essa modalidade de crédito mais acessível ao trabalhador do setor privado. Mas, por outro lado, é preciso disciplina para não comprometer demais o FGTS do trabalhador: caso este perca o emprego, ele precisará da ajuda do FGTS para sobreviver, mas será exatamente nessa hora que o banco irá executar a garantia e ficar com uma parte do FGTS do trabalhador. É importante equilibrar as duas coisas.
10 – Vivemos uma profunda crise moral, com multidões indo às ruas pedir o fim da corrupção. Na sua opinião, até que ponto não somos responsáveis por essa corrupção toda? Como podemos superar a corrupção se, no nosso dia a dia, incorremos em práticas antiéticas, como furar fila, estacionar nas vagas de idosos e deficientes. A corrupção no Brasil não seria uma coisa cultural?
A corrupção impõe um custo elevado à sociedade. O que está aconteceu com a Petrobras e outras estatais é um bom exemplo disso. Parte da nossa atual recessão é resultado da corrupção que ocorreu na Petrobras, que hoje cobra seu preço na forma de menor disponibilidade de recursos para investimentos. Cabe à sociedade policiar os agentes públicos para evitar que eles cedam à tentação da corrupção. E isso de alguma forma está ocorrendo com a Lava-Jato, que deve trazer melhoras importantes na contratação de obras públicas. Mas, concordo com a pergunta, é preciso mudar também o nosso dia a dia, as práticas que tornam mais “aceitável” burlar a lei. Obviamente, também ajudaria muito se tivéssemos mais cuidado em ter leis que não compliquem desnecessariamente a vida das pessoas, evitando aquelas que “não pegam”, por exemplo. De qualquer forma, é importante não esquecer que a culpa maior pela corrupção é daqueles que a praticaram, de um lado e de outro do balcão. Essas pessoas tinham alternativas e escolheram o caminho errado.

Por: Carol Arantes para revista Visão APSEF

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