A conjuntura política e o transporte urbano

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Passsageiros aglomerados no primeiro dia da operação Embarque Melhor

No século XIX já era visível que o conforto e a comodidade de locomoção seriam divididos, entre aqueles que possuíam mais e melhores recursos. Um grande exemplo era a chamada serpentina – uma espécie de cama com duas hastes de madeira nas extremidades, carregadas pelos escravos. Os senhores de escravos valiam-se de seus bens para adorná-las de tal modo, que dentro dessas pequenas cabines, o mundo parecia diferente.

O transporte urbano evoluiu e sua expansão se tornou fundamental pós-revolução industrial com o crescimento das cidades. No início apenas a classe média possuía meios para se locomover do campo para a cidade, algo que mais tarde foi extensivo ao resto da população.

À medida que o transporte foi expandindo outro problema foi surgindo: existiria mais adiante um transporte de boa qualidade para todos no sistema capitalista industrial? Uma pergunta que dois séculos depois ainda está sem resposta, e o mais preocupante, até agora sem solução por parte de quem detém os meios para isso.

Retrocesso

A atual situação política e econômica do país, mesmo na visão do mais otimista dos brasileiros deixa a desejar, e muito. O mundo passa por um retrocesso na economia desde 2008. Um relatório divulgado pela OIT – Organização Mundial do Trabalho e pela OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico mostrou que no fim de 2008 até maio de 2012, mais de 21,3 milhões de empregos foram extintos nas 20 maiores potências econômicas do planeta, isso, incluindo a União Europeia.

Em 2015 o Brasil fechou mais de 100 mil vagas formais de trabalho até agora, um resultado alarmante que mostra o enfraquecimento e a estagnação da nossa economia, gerando cada vez mais a desigualdade social.

Em um pronunciamento mês passado, a presidente Dilma Rousseff disse que “o país chegou ao limite do uso de recursos federais para conter efeitos da crise econômica”. Neste mês ela anunciou o PIL – Programa de Investimento em Logística (divulgado em 2012), que em outras palavras quer dizer “estamos privatizando o Brasil”. A promessa na época: 10 mil quilômetros de ferrovias que até hoje não saíram do papel.

Em seu governo, Dilma prefere usar o termo “concessões”, quando quer entregar à iniciativa privada obras de infraestrutura como portos, aeroportos, rodovias e estradas para grandes empresas mundiais, detentoras de grande lucratividade. Até o modelo de concessão usado por Fernando Henrique Cardoso (e criticado pelo PT) foi adotado por Dilma: o maior valor de outorga, ou seja, quem pagar mais vence o leilão.

E o transporte nesse caldeirão de promessas e privatizações está se fundindo em meio a tantos problemas de gestão e organização. Será que dois séculos depois o trabalhador terá problemas de locomoção?

O Metrô

A crise do transporte nas grandes cidades pode ser resolvida sim, e em um âmbito que atenda toda a demanda e o fluxo de pessoas que precisam se descolar em uma megalópole. Um das soluções mais eficazes é o investimento no transporte sobre trilhos.

O Metrô de São Paulo foi inaugurado em 1972 e 43 anos depois conta com apenas 75 quilômetros de extensão e 68 estações. O Metrô do México foi inaugurado na mesma década, em 1969, hoje conta com mais de 200 quilômetros de malha e mais de 170 estações.

Na contramão do nosso vizinho latino-americano, o transporte de massa parece ter ficado um passo atrás, no quesito evolução.

Uma das soluções que o governo paulista encontrou para atender a demanda foi entregar à iniciativa privada, sem fiscalização, a construção da Linha 4 Amarela – atualmente administrada pelo Consórcio espanhol Isolux-Corsán-Corviam.

Uma fatalidade parou as obras em 12 de janeiro de 2007, quando uma cratera se abriu matando sete trabalhadores. O laudo na época mostrou falha nas sondagens do terreno, que cedeu com as escavações em dezembro de 2006.

Mesmo diante do fato comprovado as detonações não paravam e as obras foram aceleradas a todo vapor, mesmo no dia da tragédia uma explosão foi realizada.

O Consórcio Via 4 Amarela disse que o laudo era contestável e apresentou outro documento afirmando que a culpa era do terreno e da chuva.

Em fevereiro deste ano, o governador do PSDB, Geraldo Alckmin, disse que o governo de São Paulo poderia rescindir o contrato com o consorcio por atrasos, número de funcionários reduzidos e falta de matéria prima. O governador disse “ficamos em cima 24 horas, apertando, apertando para entregarem a Fradique. A empresa não tem condições de tocar a obra: assumiu por um preço, e, por questão de capital, não consegue entregar as obras”.

Já o Consórcio em fevereiro falou que as obras tiveram redução no ritmo, porque as empresas que foram contratadas pelo Metrô atrasaram a entrega dos projetos.

Um mês seguinte, o governo anunciou que abriria nossas licitações para as obras de duas estações da Via 4 Amarela: Vila Sônia e São Paulo-Morumbi, paradas desde novembro de 2014.

Este mês, mesmo após ameaça do rompimento do contrato, o governo do Estado de São Paulo pagou R$ 20 milhões ao Consórcio responsável pela construção da linha 4 Amarela, que já dura 11 anos.

É a solução ?

O sistema de Monotrilho, a Linha 15 Prata, que foi amplamente divulgada há 7 meses e conta apenas com 2,9 km e 2 estações (Oratório e Vila Prudente) . Parecia ser uma das soluções encontradas pelo governo de São Paulo para ampliar a demanda do transporte na Zona Leste. Pelo jeito até agora não deu muito certo.

A responsável pelo projeto é a Bombardier – empresa que teve o nome envolvido no Cartel dos Trens e Metrôs de São Paulo, que atuou de 1998 até 2008 nos governos Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin do PSDB,  que agora também aparece em uma das contas usadas pelo doleiro Alberto Youssef, na Suíça, investigadas pela Operação Lava Jato.

O trem do Monotrilho é visto com desconfiança por alguns, e uma das coisas que gera desconfiança é o balanço da composição. A segurança do funcionário e do usuário é de vital importância e item fundamental quando se trata de transporte público de massa. O que chama a atenção também, é que o monotrilho circula sem condutor, e será controlado em uma sala operada pela própria Bombardier – assim como sua manutenção que, diferentemente do Metrô, tem pátios de manutenção, será também feita pela própria empresa.

Caos da CPTM

Já na Companhia de Trens Metropolitanos (CPTM) o problema não é diferente. A obra da estação de Poá, de responsabilidade do Consórcio Pedra Coral da linha 11, está atrasada e a das estações de Ferraz de Vasconcelos e Suzano que deveriam ser entregues em 2013 já custou mais de R$ 102 milhões. O trem que vai ligar Sorocaba à capital também vai atrasar, pois as obras que deveriam começar neste ano ainda não tiveram início.

Constantes falhas e interrupções fazem da vida do passageiro que depende dos Trens da CPTM um verdadeiro caos. É comum ver passageiros atravessarem a via para chegarem ao seu destino, correndo risco de morte.

Plataformas superlotadas, trens abarrotados, passageiros nervosos funcionários sobrecarregados, falhas em trens e o caos instalado – esse é o retrato mais fiel da CPTM hoje em São Paulo. O resultado disso, a violência.

Na tentativa de embarcar no vagão preferencial no dia 25 de fevereiro de 2014, Nivanilde de Silva Souza, de 38 anos, que estava grávida, tropeçou e bateu a cabeça em um vagão da CPTM, após se envolver uma confusão com funcionários da Companhia.

Em março do mesmo ano, um homem foi preso na Estação Luz da CPTM por ejacular em uma passageira. Ela tentou se livrar do agressor e foi segurada por ele, luxou o braço e só conseguiu se soltar porque contou com a ajuda de outros passageiros.

Um ano depois, em 25 de fevereiro deste ano, passageiros arremessaram cadeiras contra seguranças da CPTM e causaram tumulto pelo atraso das composições. No dia um temporal atingiu a capital, o que atrasou a circulação dos trens.

 

O velho problema

Outro problema grave no transporte público em São Paulo, são os ônibus superlotados, e uma frota que não atende às necessidades da população. Passageiros que não conseguem embarcar, outros que correm riscos pela insegurança nos coletivos e cobradores e motoristas reféns de um sistema superlotado. Enquanto isso, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo descobriu este ano, que um consórcio de ônibus deu um prejuízo de quase R$ 500 milhões aos cofres públicos.

Mesmo o paulistano se sentindo “enlatado” nos coletivos, em 2013 o prefeito Fernando Haddad, ampliou o número de passageiros sentados, cadeirantes e em pé de 65 para 75 pessoas, porém o comprimento de cada ônibus continuou o mesmo. No horário de pico então, isso fica totalmente fora do controle.

Onde colocar toda essa gente? Isso, o poder público não sabe responder. Em novembro de 2014 uma auditoria encontrou 640 falhas e uma diferença de R$ 38 milhões nas empresas de ônibus que operam a frota em São Paulo.

A reação

As jornadas de Junho de 2013 serviram para muita coisa. Podemos dizer que existe um País antes e pós Junho de 2013. Dois anos depois a data jamais será esquecida pelos brasileiros, pois uma dimensão tão grande como aquela, com a força com que ela foi feita, estará nos livros de história. Serão contadas para os filhos de nossos filhos como a maior manifestação democrática do Brasil moderno, pós-impeachment de Fernando Collor de Mello.

O estopim de tudo isso foi justamente o transporte, e mesmo não sendo apenas pelos 0,20 centavos, a reversão do valor da tarifa na época foi uma das maiores vitórias do povo brasileiro. Um aparato de bandeiras que não eram partidárias, cartazes e faixas, que muitas vezes teve o rosto humano como matéria-prima, encheu o coração do “gigante” de esperança.

Uma coisa que não pode jamais ser negada, foi da esquerda brasileira que iniciou tal movimento e ganhou dimensões mundiais. O apoio de diversas entidades ao Movimento Passe Livre (MPL) assim como a Federação dos Metroviários (FENAMETRO) Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Mídia Ninja e tantos outros movimentos que impulsionaram o estopim de luta.

O que não pode ser esquecido jamais, é que, mesmo sob forte repressão do estado, o povo aderiu e foi às ruas dizer um basta. As manifestações foram um recado bem claro as autoridades: o descontentamento não seria mais visto com apatia e silêncio.

Um grito que ecoou e silenciou até os mais incrédulos, serviu de lição para muitos que desacreditaram na força do povo.

A população pediu saúde, educação, moradia, segurança e transporte, e este último que move todos os demais.

O transporte urbano público e de qualidade não pode ser encarado como uma mercadoria. Ele deve ser visto como um direito essencial do cidadão que constrói e impulsiona a economia do país. Ver o transporte público apenas como um negócio é o que causa todo esse caos diário.

Investir em transporte, em qualidade, valorizar o funcionário e oferecer recursos para desempenhar bem sua função, é primordial para que o cidadão se sinta parte importante da sociedade. Negar isso deveria ser um crime inafiançável.

Deixar o transporte em um papel secundário atrasa o país, o crescimento e estagna a economia.

Um país que valoriza seu cidadão, valoriza o transporte e investe nele priorizando sua qualidade, evitando que o serviço oferecido fique cada vez mais escasso e se transforme em um meio de lucratividade.

O conforto e a comodidade devem ser respeitados e ampliados a qualquer homem e mulher. É preciso que o Estado brasileiro entenda que o transporte não é um produto lucrativo, é um direito que deve ser assegurado em qualquer sociedade democrática.

 

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