O APAGÃO FEDERAL NA PANDEMIA por Roberto Livianu

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Platão, há mais de 2.000 anos, alertou que se poderia facilmente perdoar uma criança que tivesse medo do escuro; mas que a real tragédia da vida teria lugar ao ter o homem medo da luz. Que diria, então, Platão sobre a escuridão política preordenada ou premeditada? Sobre a tomada de decisão de governo que vise criar opacidade ao invés da transparência total, elevada ao patamar de princípio constitucional pelo artigo 37?

Por mais incrível que isto possa parecer, pouco mais de dois meses após a famigerada MP 928, que bloqueava o acesso a informações públicas em plena pandemia –e, por liminar do STF, foi derrubada neste domingo–, gerando perplexidade mundial, o Ministério da Saúde, que não tem ministro titular, determinou mudança de critérios na contagem de óbitos e de casos de infectados sem justificativas plausíveis.

E noticia-se que o presidente teria determinado que o número máximo de óbitos por dia seria de 1000. E que teriam “acabado as manchetes do Jornal Nacional”.

A atitude deu ensejo a uma imediata reação social; inclusive o ajuizamento de ADPF por partido político, onde, por liminar do STF, foi determinado o restabelecimento das informações totais consolidadas, que vinham sendo disponibilizadas até então, sendo destacado na decisão ser inadmissível a redução do nível de transparência –imperativo constitucional. Um empresário que assumiria uma secretaria no Ministério da Saúde cuidando destes números desistiu antes de assumir. E a CGU determinou sigilo como regra nos pareceres de outros Ministérios. Parece uma guerra declarada contra a transparência.

Tão forte, que gerou como importante e democrática reação a formação de um consórcio de mídia envolvendo G1, O Globo, Folha, Uol, Extra e Estadão para, unidos, garantirem informação ao cidadão referente à pandemia em virtude do apagão federal.

Ontem, a Americas Society/Council of The Americas, em parceria com a Consultoria Control Risks, divulgou seu relatório 2020 do índice de capacidade de combate à corrupção na América Latina, onde 15 países foram avaliados, detectando-se uma queda do Brasil da 2ª para a 4ª posição de 2019 para 2020. Temos à nossa frente Uruguai, Chile e Costa Rica, num bloco que já se distancia do Brasil. Logo atrás de nós Peru, Argentina e Colômbia, com pontuação muito próxima à nossa.

O relatório que analisa o índice aponta os fatores que explicam os números: em relação ao Brasil, destaca-se como problema justamente a falta de transparência governamental. Lembrando que o Brasil, na condição de cofundador do Pacto dos Governos Abertos em 2011 junto com Reino Unido, Estados Unidos, Noruega e outros países, comprometeu-se a ser referência mundial em matéria de transparência.

Mas, além do fator transparência, o ICCC atribui a queda da eficácia legal do Brasil à escolha do PGR fora da lista tríplice pelo presidente, além dos sinais nítidos de interferência na Polícia Federal, apesar da resistência dos agentes da PF e de procuradores da República, indignados com a escolha de Augusto Aras. Registra-se também o fator reposicionamento do STF em relação às prisões, não mais as admitindo após condenação em 2º grau.

Outro aspecto de extrema relevância registrado diz respeito às dificuldades de trabalho jornalístico, sendo sabido que diversos profissionais vêm sendo agredidos em atos antidemocráticos realizados aos domingos, durante coberturas jornalísticas, sem qualquer reprovação por parte da chefia do Governo Federal. Nestas aglomerações dominicais são naturalizadas as faixas pedindo o fechamento do STF, do Congresso ou até a edição de novo AI-5 ou intervenção militar sob a atual presidência, o que é tratado com naturalidade inacreditável pelo principal mandatário do país.

O relatório sinaliza ainda acerca dos riscos criados pela pandemia, apontando escândalos envolvendo o ministro da Saúde da Bolívia, o vice-presidente do Panamá, mais da metade dos governadores da Colômbia além dos escândalos variados tendo por objeto fraudes diversas na aquisição de respiradores no Brasil.

O ICCC traz mais um alerta importante referente às escolhas que estão por vir em relação a ministros do STF e STJ, apontando a importância de serem respeitosas ao interesse da sociedade e garantidoras da independência judicial, o que tem se mostrado dificílimo neste cenário árido no que pertine ao combate à corrupção.

Penso que poderíamos por nossa conta até tentar complementar o relatório do ICCC se lembrarmos a catástrofe da MP 966 que pretendia blindar agentes públicos das punições por atos de corrupção durante a pandemia e as cenas vistas na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, em que ministro propunha a prisão dos magistrados do STF e outro, que se aproveitasse a “oportunidade” dos agora quase 40.000 óbitos para aprovar “de boiada” regras “mais simples” na área ambiental.

Sem falar do que não se fez, como a não evolução da reforma político-partidária e da estagnação das novas medidas contra a corrupção e muito mais. Isto porque o relatório não pôde incluir a recente condenação pelo STF a 10 anos e 2 meses de reclusão de um deputado federal por lavagem de dinheiro e corrupção, que é presidente nacional do Partido Solidariedade.

Será que algum dia um presidente de partido condenado pelo STF por corrupção e lavagem de dinheiro abrirá mão do poder para preservar o partido, a democracia, a sociedade ou simplesmente para dar exemplo? Será que algum dia no Brasil, a transparência será mesmo um signo absoluto?

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