A lei 8429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, em vigor desde junho de 1992, representa o mais importante instrumento jurídico de utilização cotidiana pelo MP para a proteção do patrimônio público no Brasil.
Todos os anos, milhares de ações são propostas e bilhões de reais desviados são recuperados com a utilização da Lei de Improbidade, que responsabiliza agentes públicos bem como beneficiários dos respectivos atos, classificados e punidos gradualmente em três níveis: atos em que há enriquecimento ilícito (art. 9), atos com dano ao patrimônio público (art. 10) e atos com violações aos princípios administrativos (art. 11).
Passados quase 29 anos da vigência da lei, é plausível buscar sua recalibragem e fazer ajustes para que ela não sirva de ferramenta para inibir bons quadros de colaborar com a Administração Pública, temerosos por má qualidade de suas consultorias, que os leve a cometer meros equívocos formais.
Mas é inadmissível que no curso do diálogo de um projeto de lei (10887/18) neste sentido, construa-se de forma escondida, sem qualquer discussão com a sociedade civil, sem qualquer audiência pública ou debate, um substitutivo de demole o projeto e a própria lei de improbidade, transformando-a em lei da impunidade.
Ao propor a supressão genérica do artigo 11 da Lei de Improbidade (sem danos), o substitutivo está conduzindo o país ao retrocesso e à impunidade. Com base neste dispositivo, responsabiliza-se o agente público que não fornece informações públicas devidas pela Lei de Acesso à Informação, assim como aquele que desvia doses de vacinas para beneficiar poderosos ou amigos.
Com base neste dispositivo, punem-se as contratações de parentes, desrespeitosas aos princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade além das “carteiradas” dos que se acham acima do bem e do mal. O nepotismo é vedado há décadas no Brasil. Louvá-lo e proclamá-lo como política de Estado representa a negação de nossa essência republicana e implica retrocesso aos tempos monárquicos, em que o poder era exercido por clãs familiares.
O substitutivo torna impuníveis as improbidades culposas, mesmo que a dose de culpa seja grave. Cria barreiras para alcançar os particulares beneficiários dos atos dos agentes públicos inclusive em caso de herdeiro de corrupto, a herança não mais cobre a totalidade das responsabilizações pelos atos.
Burocratiza-se o bloqueio de bens de “laranjas” e veda responsabilização civil solidária. Como se não bastasse, em relação ao PL, o substitutivo propõe redução pela metade dos prazos prescricionais e cria a absurda prescrição intercorrente (que na área penal só existe no Brasil) – tempo para responsabilizar pelos atos assim como estabelece prazo de duração para as investigações do MP, independentemente da complexidade dos casos.
Como se não bastasse, prevê o direito de indenização do processado caso seja absolvido, mesmo que por insuficiência de provas.
O Substitutivo Zarattini ao PL 10887/18 representa retrocesso de décadas no combate à corrupção no Brasil, contrariando frontalmente o princípio maior constitucional da supremacia do interesse público, além da legalidade, moralidade e eficiência.
Ao sabermos que nesta data o colégio de líderes discute o mencionado Substitutivo, manifestamo-nos com firmeza no sentido da necessidade de ser aberta discussão com as organizações representativas da sociedade civil para debate democrático da matéria, representando sua aprovação açodada grave ato desrespeitoso ao patrimônio público e à democracia.
São Paulo, 24 de fevereiro de 2021.
Instituto Não Aceito Corrupção